Celina parou quando o avistou descendo as escadas. As escadas daquele porão-bar eram sujas e faziam um baralho estranho quando alguém pisava com muita força, por algum motivo ele pisava com força porque em toda sua distração ela conseguiu ouvir levemente o barulho.Seu coração parou e seus olhos o seguiram lentamente enquanto ele descia as escadas. Ele parou e observou por cima, sua altura lhe permitia ver a cabeça de quase todos. Ela abaixou a cabeça e virou-se para seu instrumento musical.
Era o grande dia para Celina, apesar de não muito confortável e ser em uma espécie de porão, aquele era um dos lugares que mais reunia gente amante de boa música da cidade, era considerado grande porta para as bandas que começavam. Observou a banda que se apresentava e os viu começar a tocar sua última música. A próxima banda seria a dela, e em todas as músicas, um pouco dele. Suas pernas tremeram.
Tudo bem, qual seria a possibilidade de ele notá-la ali e perceber que ele era as músicas dela? Calculou e lembrando-se de como ele nunca entendia nada, conseguiu acalmar seu coração. A banda encerrou e agradeceu.
- É agora. – Disse o garoto de cabelos longos, o baterista.
Celina não pronunciou nenhuma palavra, somente concordou com a cabeça.
Subiram no palco e todos os preparativos começaram, Celina era vocalista e baixista, preferiu se concentrar atrás do palco, até que o momento a chamou. Pegou seu instrumento e se digeriu ao centro do palco, de cabeça baixa.
- Boa noite. Esperamos que gostem. – Celina não poderia escolher palavras piores?
Levantou a cabeça, olhou para o baterista que começou, seguido do guitarrista, olhou para o público novamente, ela sabia que o procurava, olhou para o instrumento e começou a tocar.
Dum-Dum-Dum. O som grave do baixo não era muito notável, mas era necessário.
Nos segundos seguintes cantou normalmente, até que o avistou. A próxima frase da música não era muito conveniente.
“ I miss you...”
A banda que tinha um som meio The Beatles aparentemente agradava o público, o guitarrista solo encostou na baixista durante o solo e lhe digeriu um olhar “Olhe, estão gostando”. Celina tinha um olhar triste e medroso.
A banda continuou tocando, e ela não conseguia tirar os olhos dele enquanto cantava as músicas que tinham sido feitas para ele. Eram seus sentimentos falados ali, na frente de todos, melhor, eram cantados. A voz de Celina era perfeitamente suave.
O show terminou, foram aplaudidos e abraçaram-se.
- Parabéns, Lina! Você encarnou a personagem hoje e cantou muito bem. – Parabenizou um amigo da banda.
- Obrigada. – Ela não encarnou a personagem. Ela era a personagem. Era ela, a menina do coração partido e que precisava de alguém para completar seus sonhos. Era Celina, em carne osso e coração.
De repente uma mão tocou-lhe nos ombros, ela se virou e se deparou com a única pessoa que não queria encontrar.
- Lina? – O que era pra ser uma afirmação, acabou saindo como uma interrogação.
Por que ele lhe chamou de Lina? Ele não tinha esse direito, não mais.
- O que? – Ela tentou se manter indiferente.
- Eu gostaria de lhe dar os parabéns e conver...
Ela interrompeu.
- Obrigada. – Disse se virando.
- Espere, podemos conversar um pouco? – Disse ele tocando novamente seus ombros.
- Não, não podemos.
Ela tentou se manter indiferente e posar de moça forte, mas seu olhar e sua voz trêmula a denunciavam. Ele percebeu, ela não sabia, mas nesse tempo, ele havia crescido um pouco, tinha amadurecido. Mas o buraco no coração da pobre moça só tinha crescido, alimentado pelas magoas que ela guardava, alimentado pelas músicas que compunha e cantava.
- Lina... – Ele a chamou.
Continua.